segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A HISTÓRIA PEDE PASSAGEM (AS FAÇANHAS DE UM CAPOEIRA)

 *** UM CERTO MACACO BELEZA E O CONDE D'EU***   
  

     Descendo do partaló de honra, do navio da Marinha brasileira o Conde D´Eu, trajando seu uniforme de gala, avistou a cidade de Salvador engalanada para recebê-lo com honras a estilo de rei. Já no tapete vermelho sobre o piso esburacado do cais do porto, recebeu as boas-vindas do conselheiro Almeida Couto, presidente da província da Bahia, e as saudações da aristocracia local e também de integrantes da Guarda Nacional.
     Marido da princesa Isabel, herdeira do trono, o conde de descendência francesa e naturalizado brasileiro, visitava a Bahia como representante do Imperador, D. Pedro II, que se reteve no Rio de Janeiro administrando as sublevações diárias provocadas pelos monarquistas e simpatizantes do pretendido regime republicano. Conde D' Eu cumpria uma espécie de "missão diplomática" de apaziguamento dos ânimos políticos, alvoroçados pelos manifestos anti-monarquistas da Convenção de Itu, de 18 de abril de 1873. Ainda ressabiado de suas aparições públicas, ele temia  a repetição em Salvador dos apupos que os membros da Corte, inclusive ele, receberam durante um cortejo de carruagens, liderado pelo próprio Imperador que deixara a residência imperial da Quinta da Boa Vista para circular pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, numa daquelas tardes conturbadas de 1883.
      Nem o conde, nem niguém sabia que, no mesmo instante de seu desembarque estudantes anti-monarquistas da Faculdade de Medicina da Bahia, preparavam-lhe uma recepção hostil, com vaias, ovos e tomates podres, na Ladeira do Pelourinho, por onde deveria ele passar daí a pouco, depois do acesso à Cidade Alta pela subida do Taboão.
      Ignorava também que numa das estreitas viela do Maciel de Cima, proximidades da mesma Faculdade de Medicina, o arruaceiro debochado Manoel Benício dos Passos, por conta de suas simpatias monárquicas, mobilizava uma turba de capoeiristas de elite para empastelar a manifestação estudantil com porretes de peroba e golpes de capoeira. Mulato sarará de cabellos crespos, atlético e corajoso, curtido de muitas cadeias por arruaças. Manoel Benício recebeu o apelido de Macaco Beleza pela extrema feiura e pela sua agilidade de macaco com que jogava.
      Não deu outra: quando os estudantes interceptaram o cortejo do conde no sopé da Ladeira do Pelourinho e começaram a vaiar e atirar ovos e tomates, a turma do Macaco Beleza caiu de pau (de peroba) em cima da estudantada. Em instantes, dissolveu a manifestação deixando muitos feridos pela porretadas e pelos golpes de capoeira. Vitorioso. subiu num caixote e "mandou ver" um discurso inflamado em defesa da monarquia.
     -Quero esse popular na recepção dessa noite, no Palácio, como meu convidado de honra -ordenou o conde D'Eu ao seu anfitrião, o conselheiro Almeida Couto. O conselheiro tentou dissuadir o conde, informando tratar-se de um arruaceiro de péssimos antecedentes, um capoeirista (sinônimo de marginal), cuja presença na recepção poderia constranger os demais connvidados. O conde, contudo, foi enfático: - O baile é meu e o convidado é meu. Pouco depois, já dois emissários do presidente da Província formalizavam o convite ao Macaco Beleza e negociavam com ele as condições estabelecidas pelo conselheiro Almeida Couto que começavam com uma advertência e uma ameaça:
     -Fica proibido fazer besteiras. Se fizer, vai mofar na cadeia, depois que o conde for embora. Nem a advertência nem a ameaça o preocuparam. Tinha outras preocupações:
     -Só vou lá se o conselheiro pagar uma roupa nova para mim- sentenciou o capoeirista, que jamais primara pela elegância. Irritado pela petulância do capoeira, que ele detestava e a quem mandara prender várias vezes, e sobretudo pelo incômodo convite do conde, o conselheiro Almeida Couto obrigou a alfaiataria do palácio a costurar em poucas horas uma roupa de gala para Macaco Beleza, que enfatiotado e exalando perfume barato de prostituta, foi o primeiro a chegar ao palácio. Depois de receber as honras da banda de música, ele esperou, como faziam os nobres, o anúncio de sua presença, feito pelo mestre de cerimônias para só então, com seu passo de malandro, atravessar o salão luminoso e enfeitado:
    -Sua Excelência, o nobre senhor Manoel Benício dos Passos, convidado de honra em nome de Sua Alteza Imperial. O anuncio surpreendeu a oficialidade do Corpo a Guarda presente e revirou o estômago do Conselheiro Almeida Couto, que , por precaução isolou Macaco Beleza bem no fundo do salão. Após a chegada de todos os convidados, o Conde D'Eu, com a imponência dos seus quarenta e dois anos, apareceu na mesma porta por onde entrara Macaco Beleza e esperou a vez do seu anúncio:
     -Sua Alteza, representante do Imperador D.Pedro II, comandante em chefe das forças navais e terrestres, vitoriosas na guerra contra o Paraguai, Luis Felipe Maria Fernando Gastão D' Orleans, o conde D' Eu! Macaco Beleza nem esperou o fim dos aplausos. Sob o olhar irado do presidente da Província, atravessou o centro vazio do salão e, quebrando o protocolo, surpreendeu o conde com um abraço vigoroso. Desvencilhou-se e se apresentou ao conde, declamando em tom solene uma trova que demorara para decorar:
                                            "Manoel Benício dos Passos,
                                             vulgo Macaco Beleza.
                                             Escravo da Monarquia
                                             e servo de Vossa Alteza".

        O presidente da Província aproximou-se, tentou consertar o vexame e o conde risonho e descontraído, mostrou-se encantado com a trova simplória e com a confessa fidelidade daquele homem do povo. Desconsertado, o conselheiro Almeida Couto cochichou uma repreensão qualquer no ouvido de Macaco Beleza. O cochicho ninguém ouviu, mas a gargalhada geral ecoou pelo salão quando todos ouviram em voz alta a resposta galhofeira:
       -Qual é, "seu" conselheiro! Está me estranhando? Pensou que eu ia fazer besteira? Pois não sabe que sou baiano, nascido na Bahia, e que baiano burro nasce morto!
A risada dos convivas e do conde consagrou a frase conhecida e repetida no país inteiro, mesmo passados estes cento e tantos anos, desde o ocorrido.
Augusto Mário Ferreira
Jornalista/escrito, formado em Capoeira pelo mestre Bimba e 1956

Baseada em pesquisa histórica do advogado baiano Gabino Kruschewsky( A Tarde, 27/6/76, p.6.), arquivada na hemeroteca sobre Capoeira do Advogado/Tenente, Esdras Magalhães dos Santos (mestre Damião).
Por mestre Yrapuru arauto da clã dos Palmares.

MOMENTOS DE GLÓRIA NA CAPOEIRAGEM

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A HISTÓRIA PEDE PASSAGEM (UM CERTO MAJOR VIDIGAL)

A SAGA DO MAJOR VIDIGAL-" Era o major Vidigal um homem alto, não muito gordo, com ares de moleirão; tinha o olhar sempre baixo, os movimentos lentos e a voz descansada e adocicada. Apesar deste aspecto de mansidão, não se encontraria por certo homem mais apto para o seu cargo, exercido pelo modo que acabamos de indicar.
Uma companhia ordinariamente de granadeiros, às vezes de outros soldados que ele escolhia nos corpos da cidade, armados todos de grossas chibatas, comandada pelo major Vidigal, fazia toda a ronda da cidade de noite, e toda a mais polícia de dia. Não havia beco nem travessa, rua nem praça onde não se tivesse passado uma façanha do Sr. major para pilhar um maroto ou dar caça a um vagabundo. A sua sagacidade era proverbial, e por isso só o seu nome incutia grande terror em todos os que não tinham consciência muito pura a respeito de falcatruas".(Memória de Um Sargento de Milícias) Manuel António de Almeida.Pag.24,25.Ed. Ática 31ª edição.
Postado e Editado: por mestre Yrapuru arauto da clã dos Palmares.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

SOB A ÉGIDE DE SÃO SALOMÃO (A ARTE DA CAPOEIRAGEM ÀS MARGENS DA LEI)

 A ARTE DA CAPOEIRAGEM     *** ÀS MARGENS DA LEI***



A HISTÓRIA PEDE PASSAGEM- Ao longo de todo o século XIX, a capoeira foi constantamente perseguida, sua prática foi tolerada durante todo o período imperial, existindo como contravenção penal até 1890. Só então, sob o recém instaurado Regime Republicano, seria criminalizada.
O castigo dos açoites aplicado aos escravos capoeiras era executado pelas patrulhas policiais no momento da prisão. Em relação aos capoeiras presos cuja a condição jurídica era a de libertos ou livres, a aplicação de sanções era dificultada pela prática da capoeira ao ser considerada como um crime previsto por lei. Para puni-los os recursos mais utilizados pelas autoridades policiais era recrutamento militar forçado.

Por mestre Yrapuru arauto da clã dos Palmares e pesquisador de História e da Capoeira na sua íntegra.
Iê viva meu Deus!!!!... Iê viva meu mestre!!!... Foram eles que me ensinaram.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

SOB A ÉGIDE DE SÃO SALOMÃO (OS MISTÉRIOS DA GUARDA NEGRA)

A HISTÓRIA PEDE PASSAGEM-  ***  A GUARDA NEGRA  ***

A "Guarda Negra", era uma sociedade secreta criada sob a inspiração de José do Patrocínio, logo após a abolição, com o intuito de defender a Princesa Isabel "redentora dos escravos". A "Guarda Negra" identificava-se com a causa monárquica e, mais especificamente com o Gabinete Conservador (que estava no poder em 1888). O auge de sua atuação parece ter sido entre meados de 1888 e os primeiros meses de 1889. Atuava acobertada pelas autoridades policiais, como uma verdadeira força paramilitar, era composta essencialmente por negros, agora livres, dentre os quais muitos capoeiras, conforme nos informa Osvaldo Orico, biógrafo de José do Patrocínio: "(..) agindo sob os complacentes olhos da polícia, a Guarda Negra (...) incluía em seu corpo os melhores capoeiras locais (do Rio de Janeiro)"(TROCHIM,1988:p. 291).
Era principalmente nos comícios republicanos que a presença da "Guarda Negra" se fazia sentir. O ataque mais espetacular da organização parece ter sido  o que ocorreu no dia 30 de dezembro de 1888, quando os propagandistas republicanos, Silva Jardim e Lopes Trovão discursavam no Ginásio da Sociedade Francesa de Ginastas, na cidade do Rio de Janeiro. Os organizadores do ato, frente as ameaças recebidas por parte da "Guarda Negra", recorreram ao chefe da polícia, que alegou não ter condições de garantir a segurança da manifestação. Do Lado de fora do ginásio, perto de 500 negros estavam reunidos. De repente, ouviram-se tiros dentro do ginásio e a multidão forçou a entrada. A confusão reinou durante meia hora sem a interferência da polícia, a qual, afinal decidiu acalmar os ânimos. Várias pessoas ficaram feridas, muitas vitimadas pelos capoeiras. Na saída do comício ocorreram novos distúrbios quando um republicano inflamado agitou no ar a bandeira francesa, sendo imediatamente atacado por membros da "Guarda Negra".






Por Mestre Yrapuru DZ arauto da clã dos Palmares pesquisador de História, História Geral e da Capoeira na sua íntegra.